sábado, 23 de agosto de 2008

PRECE DE UM CÃO ABANDONADO




Prece de um cão abandonado


"Sabe, Senhor, ainda não entendi. Viemos à praça, pensei ser um passeio; estranhei, ele não tinha esse hábito, mas fui, feliz. Lá chegando, ele me deu às costas, entrou no carro, e nem me disse adeus. Olhei para os lados, nem sabia o que fazer. Ainda tentei seguí-lo e quase fui atropelado. Que teria feito eu de tão mal? À noite, quando ele chegava, eu abanava o rabo, feliz, mesmo que ele nunca viesse ao quintal me ver. Às vezes, eu latia, mas tinha estranhos no portão; não poderia deixá-los entrar, sem avisar o meu dono! Quem sabe, foi minha dona que mandou, devia estar lhe dando trabalho... Mas não as crianças, elas me adoravam. Como sinto saudades! Puxavam-me a cauda, às vezes, eu ficava uma fera, mas logo éramos amigos novamente. Creio que eles nem sabem, devem ter dito que fugi. Estou faminto, só bebo água suja, meus pêlos caíram quase todos. Nossa, como estou magro! Sabe, Pai, aqui, nesse canto que arrumei para passar a noite, faz muito frio, o chão está molhado. Creio que, ainda hoje vou me encontrar contigo. Aí no céu, meu sofrimento vai terminar. Ao menos em espírito, terei permissão para ver as crianças. Peço-vos, então, não mais por mim, mas por meus irmãozinhos. Mande-lhes pessoas que deles tenham compaixão, pois, sozinhos como eu, não viverão mais que alguns meses na terra do homem. Amenize-lhe o frio, igual ao que sinto agora, com o calor dos atos de pessoas abençoadas. Diminua-lhes a fome, tal qual a que sinto, com o alimento do amor que me foi negado. Sacie-lhes a sede com a água pura dos seus ensinamentos transmitidos ao homem. Elimine a dor das doenças, extirpando a ignorância da Terra. Tire o sofrimento dos atos apregoados como religiosos, científicos e tudo mais, tirando das mãos humanas o gosto pelo sangue. Ampare as cachorrinhas prenhas que verão suas crias morrerem de fome, frio e pestes, sem nada poder fazer. Abrande a tristeza dos que, como eu foram abandonados, pois entre todos os males, o que mais me doeu foi este. Receba, Pai, nesta noite gélida, a minha alma, pois não será o meu sofrimento, mas o dos que ficarem, é por eles que vos peço...."

Desconheço o autor




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