terça-feira, 17 de janeiro de 2017

QUEM AMA NÃO ADOECE (entrevista)



ENTREVISTA/Marco Aurélio Dias da Silva

O cardiologista Marco Aurélio Dias da Silva é enfático: "Quem ama não adoece". 


Segundo diz, hoje os médicos perderam o hábito de conversar com seus pacientes, e a figura do "médico de família" não deveria ter sido esquecida.

- Como o senhor concluiu que quem ama não adoece?

MARCO AURÉLIO DIAS DA SILVA - Observando o comportamento dos pacientes e lendo sobre o assunto, comecei a perceber que pacientes que chegavam com queixas no coração apresentavam um histórico que antecedia à doença. 
O problema cardíaco era nada mais do que uma forma de exteriorização e escape para o sofrimento.

- Reflexo de carência afetiva?

SILVA - O amor que me refiro não é o amor por uma pessoa, não é o erótico, nem o romântico. 
Estes são apenas aspectos do amor. 
Me refiro mais a um estado de espírito, paz interior. 
As pessoas precisam ser e estar otimistas, abertas para o mundo, de uma maneira geral, enfim, ter uma postura desarmada. 
Quem conseguir atingir este estágio consegue escapar de doenças graves.

- Isso ocorre com crianças também?

SILVA - A criança que não se sentiu amada tem isso no seu inconsciente. 
Para ela, isso ocorreu porque ela não presta. 
A criança se torna um ser humano dividido entre o "eu" real e o ideal. 
Ou seja, o que gostaria de ser e o que tenta fingir que é.

- Esta receita de saúde que você transmite seria o caminho da medicina moderna, ou seja, estimulando a criação de laços mais profundos de amor?

SILVA - Eu não tenho dúvida que sim. 
Basta fazer uma distinção com quem ainda não está doente, preservando a felicidade. 
Só é feliz quem consegue amar. 
Acho que todo mundo deve perseguir a felicidade, e essa busca tem a ver com a revisão de valores. 
Isso é bem fácil no discurso, não na prática.

- Como o senhor trabalha isso no seu consultório?

SILVA - Eu procuro o contato humano mais próximo possível, inclusive do ponto de vista do contato físico. 
O que, na minha opinião, o ser humano mais necessita. Felizes são os veterinários que podem afagar seus pacientes sem repressão e sem ser mal interpretados. 
Durante a consulta também procuro detectar sintomas que podem revelar dores de amores, além de medir o grau de felicidade do paciente, de sua família, enfim saber se a doença vem como conseqüência de outro sofrimento.

- Seria mais ou menos uma consulta como as que aconteciam antigamente, quando o médico tratava de várias gerações e sabia tudo o que se passava na família?

SILVA - O avanço tecnológico afasta cada vez mais o médico do objetivo maior que é a relação humana que o atendimento médico exige. 
São coisas simples, mas que não são postas em prática. 
Era exatamente o que o médico do passado fazia, isto é, deixar o paciente falar, pois é através de uma conversa que se pode extrair informações muito importantes dentro do contexto apresentado. 
Hoje, a maioria dos médicos tem uma visão mercantilista, quer prestígio, poder.

- A falta de amor seria um fator externo ou interno para desencadear doenças?

SILVA - No começo, na origem de tudo - quem não consegue amor, quem sabe que não foi amado - é externo, porque a rejeição vem de fora para dentro. 
Depois o processo é interno. 
A doença está ligada a muitos fatores, alguns difíceis de controlar. 
Volto a dizer que o aspecto emocional é extremamente importante, por isso merece atenção especial.

- Que grau de desequilíbrio emocional poderia resultar em doenças?

SILVA - O grau já é mais complicado medir. 
É difícil medir ou converter em números uma emoção. 
Posso medir enzimas, não tristeza. 
Não tem como quantificar o sentimento das pessoas.

- O que é pior para o coração: o estresse, o sedentarismo ou a falta de amor?

SILVA - A literatura médica diz que são três os principais fatores de risco para doenças coronarianas: hipertensão, fumo e colesterol elevado, em quarto lugar está o estresse. Para mim é a infelicidade que leva a esses fatores citados como desencadeadores. 
A infelicidade e o desamor estão, a meu ver, em primeiro lugar.

- Especialista dizem que a depressão abre portas para muitas doenças, como é este processo no organismo das pessoas?

SILVA - Principalmente para o câncer. 
Hoje já podemos contar com uma especialidade médica chamada psicoimunologia, que comprova com excelência que quando a pessoa está deprimida seu sistema imunológico de defesa também fica deprimido. 
Ela, então, abre as portas para doenças infecciosas em geral e para outras, como o câncer.

- Muitas pessoas dizem ter uma vida absolutamente feliz e têm câncer. A doença pode ser originada em momentos de profunda tristeza?

SILVA - Será que foram ou são felizes mesmo? 
Quem tem câncer geralmente é uma pessoa muito boa, muito afável. 
Elas são tão boas, mas ninguém sabe como estão por dentro, como elas reprimem os seus sentimentos e passam isso para o exterior.

- O mesmo pode acontecer com as pessoas que são frustradas profissionalmente?

SILVA - Sem dúvida. O ambiente profissional é o lugar onde mais se reprime as emoções. 
É no trabalho que se vive as emoções mais fortes, não dá para simplesmente se ligar ou desligar, o trabalhador vive as emoções do emprego durante as 24 horas.

- Qual conselho o senhor dá para que as pessoas melhorem suas vidas?

SILVA - O primeiro passo é fazer uma revisão interior e de comportamento e se esforçarem para mudar o que está errado. 
Se for o caso, que recorram a um psicoterapeuta. 
É importante tentar entender que pedir ajuda de um profissional não é sinônimo de loucura ou fraqueza.

Sobre o autor:

Nascido em Recife em 1949, Marco Aurélio Dias da Silva formou-se em medicina pela Universidade Federal de Pernambuco.

Transferindo-se para São Paulo, especializou-se em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e em saúde pública pela Faculdade de Ciências Médicas de São Paulo.

Trabalhou por mais de vinte anos no Instituto Dante Pazzanese. Dias da Silva, que se destacou como pesquisador das miocardiopatias, faleceu em São Paulo, em 2000.

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